Eu não tinha ideia de quanto escrevia até que um dos meus sobrinhos mais velhos um dia me alcançou um álbum com postais e outras tantas porcarias que eu lhe enviara. Eu entrei em choque pois eram todos os postais, cartas e lembranças que eu tinha enviado de minhas viagens...Um álbum, sim! Um álbum de minhas correspondências. E cada carta mais lindinha com detalhes dos locais que conhecia numa escrita que ia de acordo com a idade que tinha. Postais sem palavras apenas com desenhos a cartas com gírias adolescentes. Nossa, meu avô ficaria orgulhoso de mim, pensei. E se hoje tenho algum vínculo com minha sobrinha mais velha, foi graças as correspondências que eu lhe enviava. E assim que ela aprendeu a escrever, em letras tortas fez um esforço para me mandar uma carta e dizer que agora já sabia escrever e gostaria de agradecer todas as cartas que tinha lhe escrito. Mas, me perdoem todos a quem escrevi, meu mais ilustre correspondente foi Paulo Autran (1922-2007), conheci ele em 1993 e até as vésperas de sua partida para o grande palco ainda nos correspondemos. Trocar cartas com ele era de uma responsabilidade, mas ele sempre me estimulava a escrever e se eu passava um tempo sem enviar as minhas longas cartas ele me cobrava e dizia com um brilho especial de seu olhos bicolores: "-Eu tenho sentido falta das suas cartas." Eu mudava muito de endereço, por causa da vida nômade a que me dediquei a levar, e algumas vezes era difícil lhe enviar um endereço para receber suas cartas logo deixava de escrever. No dia que nos encontramos pessoalmente pela última vez em 3 de junho de 2007, eu lhe entreguei uma monografia que havia escrito para uma disciplina da faculdade, sobre o TBC (teatro Brasileiro de Comédia). E assim que ele leu me telefonou emocionado. Ele não era muito de ligar, gostava mesmo de trocar cartas. Foi a última vez que nos falamos. O que fez que depois que ele partisse me desmotivasse a trocar correspondências. Quando estive na Itália em fevereiro passado tentei resgatar algo semelhante e enviei alguns postais, em especial para a safra de sobrinhas a quem nunca havia escrito. Uma delas com quem falo muito pouco me disse emocionada que nunca havia recebido um postal e o primeiro que recebe na vida é de Roma...ao sentir sua emoção pela correspondência recebida de uma tia distante me coloquei no lugar dela...e me achei genial! Eu adoraria ter recebido um postal de Roma de uma tia praticamente desconhecida. Sempre gostei das coisas correspondidas e ali naquela rara troca de carinho entre nós entendi que ela estava correspondendo também seu afeto por mim. Hoje não escrevo mais cartas, mas sou uma blog writer convicta. E já troquei correspondências virtuais com pessoas de vários cantos do mundo. Construí amizades( e inimizades também) através de correspondências virtuais. Inclusive com um jornalista internacional, num papo inesgotável que estendeu-se por mais de dois anos onde abordamos desde o existencialismo humano a crise européia, das diferenças eternas entre homens e mulheres as tecnologias de transmissão de imagem, da arte ao consumo. E já conversei sobre arte contemporânea com um artista visual da Korea, um músico da Sicília e um estudante do Egito. E sobre cultura popular com um jornalista Sírio e um merchand italiano. Me sinto plena quando consigo compreender um pouco da alma das pessoas, e de alguma forma instigá-las.
Com a internet, os jornalistas, segundo meu ponto de vista, tornaram-se pessoas bem mais próximas deixaram de ser apenas aqueles Deuses e Deusas da bancada, que existem só da cintura para cima. Tornaram suas rotinas de trabalho mais próximas daqueles que tem a oportunidade de curtir sua fan page no Facebook ou de segui-los no twitter. Sempre gostei das colunas de cultura dos jornais, desde criança, e sonhava com jornais e revistas que falassem só de teatro, arte e cultura. Mas sempre achei o jornalismo distante de mim, embora tenha colocado na ficha de inscrição de meu primeiro vestibular segunda opção o curso de jornalismo. Fato que a época fez que meu irmão me perguntasse se eu entendia o que um jornalismo fazia. E se eu fosse jornalista em que área gostaria de atuar. Pensei, e de fato eu não tinha ideia nenhuma. Ele riu e me perguntou se eu seria uma daquelas jornalistas de terninho e maquiagem carregada. Eu só pensava em teatro, estava colocando um curso mais difícil que o primeiro na minha segunda opção, eu não seria jornalista. "-Mas me responde que tipo de jornalismo gostarias de fazer?" Pensei um pouco e respondi: "-Daquelas que vivem noutro lugar e falam de outra cidade ou de outro país." Meu irmão caiu na gargalhada. "-Correspondente? ", eu já irritada respondi com um seco: "-É!" vendo que ele seguia rindo da minha cara decidi dar mais características a personagem que ele me fazia desvendar num possível eu. "-Poliglota! Daquelas que falam e escrevem sobre personalidades, arte e cultura." Meu irmão parou de rir de súbito, olhou para minha cara, falou aquele apelido que eu detestava e disse: "Ah, eu sabia que não seria qualquer coisa... Algo sempre me disse que esta pinta de puta americana na tua face era mais que um sinal...Correspondente poliglota ou atriz! "
Guardei esta lembrança no arquivo morto de minha memória por anos e anos, entre correspondências, virtuais, eis que um dia surge o convite para escrever sobre arte, cultura e personalidades de minha terra natal. E a denominação que ganho do veículo de mídia, impressa e escrita que me convida a escrever sobre cultura é o de correspondente. Escrever sobre artistas de minha terra natal que acontecem mundo afora. E inevitavelmente o tempo envia suas correspondências, trazendo a tona tantas lembranças.
Meus escritos agora não são só peças e artigos de teatro, minhas correspondências não são apenas para os amiguinhos do colégio, para os familiares, amigos ou mestres. Agora falo a minha cidade ( e a quem mais queira me ler em qualquer canto do mundo via internet), sou correspondente do E-cult mídia ativa, falo da cultura que sai de minha terra natal e se espalha mundo afora, ou daqueles que vão levar a arte até lá, ainda timidamente, como a menina tímida de minha infância que segue vivendo em meu íntimo. E sabe-se lá do que mais escreverei. É uma atividade nova na minha vida, um gérmen apenas de algo que há muito trago em mim. Não sou uma jornalista, sigo sendo atriz, com teatro circulando nas veias e a arte em cada poro de minha pele. E não nego que adoraria corresponder-me com aqueles que já partiram, fosse meu avô, meu irmão, Paulo Autran ou a minha infância para contar-lhes a novidade. E espero de coração que haja alguma forma deles onde estão lerem os artigos escritos pela correspondente do E-cult mídia ativa, sim aquela que tem uma pequena pinta na face e é poliglota!
28 de maio de 2012...
Acompanhem o E-cult mídia ativa
e se quiserem se corresponder comigo
podem enviar e- mail para luciahbrasil@hotmail.com
mas já aviso eu posso escrever no dia seguinte
ou demorar uma vida para responder
mas sempre respondo!!!