Espetáculo " A Geringonça da Fantasia", temática , figurinos e cenário reciclados,
Theatro Guarany, junho de 1998
A palavra da década de 80 era ecologia, nos anos 90 falava-se em reciclagem agora a palavra da vez é sustentabilidade, e eu optei por ela pois no teatro, seja na dramaturgia ou nos textos há sempre algo que deve sustentar-se, o ator que não sustenta sua interpretação em cena pode por um bom texto a perder.
Pegue Shakespeare e ponha na boca de um ator que não consegue sustentar sua ação, emoção, respiração...e perceba que sustentar é mais que uma palavra de cunho ecológico. Mas embora eu em geral me restrinja a falar de teatro, pois é o universo que estou imersa há anos...( desde que sustentabilidade era ecologia) eu hoje aqui quero abordar esta questão da reciclagem e o quanto nossa sociedade esta despreparada e desconhece sobre coleta seletiva e as destinações destas. Eu debato a questão desde a infância, quando numa greve dos lixeiros de minha cidade natal as pessoas não sabiam o que fazer com seu lixo, e nem se falava de resíduos sólidos e orgânicos, minha mãe deu seu exemplo em minha escola e na vizinhança. Nós tínhamos pátio e enterrávamos as cascas de frutas e sobras de alimento. E o restante era enviado aos catadores que a época chamavam-se apenas o "Homem do Ferro velho", "O senhor dos vidros", ou o "Tio do Papelão".
Ao final da década de 90 passei uma temporada com a família e minha mãe mais uma vez estava no movimento da sucata, fazendo artesanato de todos os possíveis resíduos sólidos transformou a dependência de empregada no depósito de sucatas e também no parque de diversão de meus sobrinhos e de seus amiguinhos... Era 1997 e eu organizei o "clube da sucata", de minha mãe, pois precisava de um local para passar texto com meus colegas de teatro enquanto estávamos sem sede. Íamos sair para comprar material para adereços e cenários do espetáculo de então "A Onça e o Bode", quando minha mãe sugeriu que reutilizasse um plástico que ela tinha, pasmem, sobras de bandeiras sinalizadores de caminhos para geógrafos e geólogos (amigos e colegas de minha irmã) na Antártida. Mas precisávamos fazer uma floresta que material usaríamos como as folhas da floresta? Minha mãe, olhou para nós e disse: "Ora garrafas PET!" Claro...
Na foto acima parte de cenário feito com garrafas PET, inicialmente para o espetáculo "A Onça e o Bode"(1997) mas que foi reutilizado em 2011 no espetáculo "A Maçã", dentro do projeto RECICLANDO HISTÓRIAS, aprovado pelo FUNCULTURAL dentro da Lei de incentivo a cultura do estado de Santa Catarina.
Em cena Aline Conceição e Nilo Corrêa no Salão da Associação de Moradores da Comunidade ESTIVA onde fica localizado o aterro sanitário da região metropolitana de Florianópolis/SC e recebe mais de 1000 toneladas de lixo por dia provinda de 22 municípios.
Nem preciso dizer que usamos todo o estoque de garrafas que ela tinha, já devidamente cortadas e amassadas. Ficou lindo... E ano passado ainda parte deste cenário foi usado no espetáculo "A Maçã", dentro do Projeto Reciclando Histórias.
Estes momentos foram cruciais para gerarem em mim um espetáculo voltado as sucatas de minha mãe, ao mundo de alegria fantástica de meus sobrinhos ali naquele universo que fazia tampas de garrafa e caixas de ovo mais geniais que o vídeo game ou os brinquedos tecnológicos.
Nas férias de janeiro do ano seguinte eu só pensava nisto...em Cruz Alta no noroeste do Rio Grande do Sul com saudades de meus sobrinhos pensei como seria bom me transportar para perto deles, se existisse uma nave genial que pudesse me transportar a qualquer lugar e no tempo eu iria para a praia, iria para o quartinho das sucatas, iria para o passado e para o futuro e neste instante enxerguei a nave construída de sucatas...
em uma semana e meia eu tinha não apenas o texto escrito, mas também toda a concepção de figurinos e cenários com materiais de sucata, reaproveitado...Quando cheguei em Pelotas em meados de fevereiro A Geringonça da fantasia já voava nas mentes criativas de todos com que trabalhei. E construímos a Geringonça com garrafas PET, caixinhas de leite, tampinhas e toda sucata que víamos pelo caminho. Nem preciso dizer que meus sobrinhos eram fãs da geringonça e davam sempre uma passadinha pela sede da Cia Z para ver como estava a construção.
Outro dia conversando com uma de minhas sobrinhas pelo Skype sobre dança, vestibular ( afinal ela é bailarina e é bixo do Curso de Biologia da UFRGRS) comentávamos das influências sofridas por nossas vivências na infância e suas consequências na vida adulta. Ela falou da Geringonça e disse que era a sua peça preferida... Pronto bateu a saudade...eu só queria entrar na geringonça e dar uma viajada por aí...ao passado de suas infâncias, depois a terra distantes para pessoalmente dizer coisas do fundo do meu coração a pessoas que amo verdadeiramente!!!
Quanta coisa... aí lembrei da Itália...todas as casas que eu estive hospedada por lá me mostravam onde colocar os resíduos sólidos e orgânicos...e a maioria das casas tem o lixo escondido dentro do armário...
Certo dia ao terminar a água de uma garrafa separei a tampa e amassei a garrafa... Quase entro em discussão...pois o dono da casa, disse que eu não precisava separar a tampa da garrafa que depois é amassada...e que as máquinas do Brasil que amassam lixo não deviam ser tão potentes como as máquinas de prensa (movidas a macarrão acredito eu) da Itália...
Fardo de garrafas PET com rótulos e tampinhas, este fardo antes de ir para reciclagem terá que ter seus rótulos e tampinhas separados, o que encarece a reciclagem e aumenta o gasto de energia.
Eu queria explicar que separar o rótulo e a tampa da garrafa não tem nada haver com máquinas que amassam, quer dizer até tem, mas que a tampa é de outro tipo de plástico...que uma única tampinha pode estragar um lote inteiro de PET, que é o TIPO 1 de plástico e significa POLITEREFTALATO de ETILENO e as tampinhas são feitas de plástico TIPO 5, de menor valor, que nem tem sobrenome o POLIPROPILENO, e valem muito pouco, daí a importância de sua utilização no artesanato, Vale lembrar que toda vez que garrafas vão para prensa com tampinhas aqueles fardos que vemos precisam novamente ser desmanchados para tampa por tampa ser separada e rótulos retirados para só então ir para reciclagem...o que faz que muitas vezes que as garrafas precisem novamente ser presadas...o que é um gasto de energia desnecessário...
...mesmo que eu tenha empreendido várias palestras e atuado em seminários de resíduos sólidos na grande Florianópolis/SC entres os anos de 2000 e 2001, quando era Secretária da APREMABI ( associação de preservação meio ambiente) me faltaram as palavras em italiano para palestrar sobre a questão, e o bom senso falou mais alto. Eu não poderia palestrar em defesa de meu ponto de vista, que ia exatamente na direção oposta de quem estava me hospedando...(fora de meu país) nevava e fazia frio do lado de fora...
"melhor não discutir" ...
Mas isto acontece por que a informação não chega, muitas vezes nem menos a quem trabalha com ela como profissão. Daí a importância do teatro também como informação...Não informação moralista...mas onde a criatividade faça o espectador refletir e entenda como pode aplicar de maneira prática em sua vida que refletirá diretamente na vida do meio em que se insere e de nosso planeta.
Que bom se a geringonça pudesse seguir voando por aí para lembrar a tanta gente que não apenas tampinhas e garrafas são diferentes, mas que nosso lixo está aí e com tantas coisas insustentáveis...que carecem de ideias fantásticas... por isto neste mês decidi sustentar a palavra em nome da sustentabilidade no teatro, gostaria de falar mais sobre figurinos feitos de materiais reciclados mas já me estendi demais...
E decidi dar uma voltinha hoje, de geringonça... lembrei que tenho que organizar o meu lixo e separar as tampas antes de descartar para coleta seletiva...e reciclar também as ideias, os pensamentos a forma de pensar...
Abaixo um pouco mais sobre o texto e o espetáculo
O espetáculo em questão aborda de forma lúdica e fantástica a história de três crianças que viajam numa nave construída por sucatas ao fundo do mar, a um mundo do futuro onde as montanhas e o mundo foi tomado pelo lixo, e a um mundo de alegria onde tudo é possível com criatividade.
Nesta brincadeira eles vão vivendo diferentes seres, de cientistas malucos a peixes, colombinas e arlequins a robôs cibernéticos. Em sua montagem pela Cia Z de Teatro em 1998, tendo circulado por mais de 30 cidades do sul do Brasil.
Abaixo a Ficha Técnica de sua estréia:
Casa de Cultura na cidade de Caxias do Sul/RS
em abril de 1998
Dramaturgia de Luciá Tavares
Ator/Personagem
Aurélio Bastos............... Miguel/Cientista/Robô/Palhaço
Henrique Lencina................................... Rafa/Raptor/Bobo
Luciá Tavares......................... Déia/Madame/Colombina
Direção Geral
Nilo Corrêa
Figurinos e Adereços
Maria Deniz & Cia Z de Teatro
Cenários
Gérson Melo
Iluminação
Rogério Santos (Billy)
Ator/Personagem
Aurélio Bastos............... Miguel/Cientista/Robô/Palhaço
Henrique Lencina................................... Rafa/Raptor/Bobo
Luciá Tavares......................... Déia/Madame/Colombina
Direção Geral
Nilo Corrêa
Figurinos e Adereços
Maria Deniz & Cia Z de Teatro
Cenários
Gérson Melo
Iluminação
Rogério Santos (Billy)
Se alguém quiser remontar este texto ficarei extremamente feliz...
e quem for afim de me chamar para palestrar sobre a diferença de tampas e garrafas fico a disposição
desde que , por enquanto, seja apenas em português...
e vale lembrar
que tampa e garrafa vivem a vida toda juntas unidas.... mas não são feitas do mesmo material...
AQUELE ABRAÇO!!!
não esqueça de separar a garrafa da tampa...
----------------------------------